Registrar e sistematizar para dar sentido – A narrativa significativa com fotos e textos.
- Ana Barbara
- 2 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
O registro é algo caro para a educação infantil. Dar visibilidade para o pensamento, para o fazer, para o pesquisar, para o brincar, para o criar e para o aprender no cotidiano de bebês e crianças é uma parte muito significante da docência na infância. Porém, dar sentido ao registro é uma parte muito relevante e não tão simples do processo.
Venho refletindo muito sobre esse processo. A fotografia e a escrita são ferramentas de registro e criação, para mim, a fotografia é muito além de um registro, no sentido de ultrapassar a função mecânica de imprimir a realidade fiel aos fatos, mas ser, na verdade, uma forma de construção da realidade, assim como também podemos encarar a linguagem verbal. Ambas são narrativas de um acontecimento atravessadas por subjetividades.
Criar registros requer estudo e dedicação. Nossas fotos e nossas anotações são o embrião de algo que virá depois, a tão falada documentação pedagógica. Registrar é o início de um percurso e necessita critérios, organização, escolha e uma linha de raciocínio sobre e para onde você está olhando, porque está olhando e que vai extrair de registro. Não se fotografa premeditando a documentação, fotografamos com nossa presença e nossa subjetividade, mas isso não elimina a necessidade de se pensar a foto.
Meu olhar foi se constituindo mais apuradamente em torno dessa questão por uma demanda que tenho vivido atualmente. No papel de formadora de formadores, meus registros têm sido 99% escritos (esse 1% que sobra são os prints de tela de reuniões rs), pois acompanhar uma reunião ou um encontro formativo exigem de mim um olhar direcionado. Eu preciso saber o que eu observo e preciso tomar notas precisas para depois construir uma sistematização que me ajudará a dar uma devolutiva ao grupo de formadores. Quantas vezes olhei minhas anotações e elas não me diziam nada que pudesse ajudar o grupo em seus percursos ou a mim mesma? Muitas!
Será que isso é diferente do que acontece quando narramos as vivências, pesquisas e experiências das crianças? Quanta importância damos a esse processo de escrever notas e fazer fotos que sejam capazes de nos dar suporte para uma sistematização futura?
De acordo com o dicionário Oxford Languages sistematizar é organizar (diversos elementos) em um sistema. Dessa forma, para o registro ser significativo e trazer suporte para reflexão de nossa prática, observação das escolhas, preferências e aprendizado de bebês e crianças, ele precisa ser inserido em um processo de sistematização, ou seja, organização de diversos elementos que construam uma documentação pedagógica.
A Instrução Normativa de Registros da Rede Municipal de São Paulo aprofunda a sistematização de registros significativos em diversos aspectos:

“(...)não é possível alcançar a excelência no fazer docente sem ter registros sistematizados. Quanto mais sistematizado e coletivamente forem construídos os registros, maiores serão as possibilidades de haver uma transformação intencional do fazer docente.” p.1
Como aprendemos essa sistematização? Não acredito em uma fórmula, até porque desconheço a elaboração de qualquer uma, mas acredito no fazer reflexivo constante. Estamos falando de duas linguagens que existem anterior a qualquer estudo ou publicação sobre documentação pedagógica, estamos falando da linguagem escrita e da fotografia. As publicações sobre documentação pedagógica não vão dar conta isoladamente do conhecimento que necessitamos. É preciso se abrir para outras áreas de conhecimento, como sempre defendi e pratiquei em meu percurso na Educação Infantil. Leitura de diversos gêneros textuais é essencial. Contos e poemas. Ensaios e artigos. Design e ilustração. Fotografia e curadoria. É preciso construir uma rede ampla de conhecimento, um repertório cultural e acadêmico.

“A documentação permite observar, escutar e interpretar a experiência vivida e narrar a aprendizagem. Também possibilita ao educador e à criança a construção de significado sobre as experiências de aprendizagem, sobre o progresso da criança nessa aprendizagem e sobre a construção da identidade aprendente da criança.” p. 50
Se o ato de registrar por meio da fotografia e da escrita não for construído por encantamento, assim como um rigor específico desse fazer, como os registros servirão como meio para observar, escutar e interpretar além da superficialidade, como aponta o trecho acima do livro Documentação Pedagógica e avaliação na Educação Infantil de Oliveira-Formosinho e Pascal?
E se revisitar! Revisitar o nosso fazer e aprender com as mudanças necessárias. Tenho uma quantidade imensurável de fotografias desde 2007, quando iniciei na educação infantil. Gosto de revisitá-las constantemente para rever meu olhar e minhas mudanças. São fotos que foram criadas com encanto e com cuidados necessários à composição imagética, mas muitas vezes foram compartilhadas com as famílias sem cumprir o papel de documentação pedagógica porque eu não tinha a prática de sistematização.
É nesse processo que eu acredito que a documentação ganha significado, é quando saímos da repetição automática de visibilização e vivemos um processo real de significação, de construção de sentidos que precisa de rigor, de criticidade e de pesquisa. Encerro com Bruno Munari em Das coisas nascem coisas:

"São muitas mais do se pensa, as pessoas que nunca leram um livro. (...) pessoas para as quais chegam os semanários de assuntos mundanos para terem notícias do mundo. Não sabem que nos livros está o saber, que graças aos livros o indivíduo pode aumentar os conhecimentos dos factos e compreender muitos aspectos do que acontece, que os livros podem despertar outros interesses, que os livros ajudam a viver melhor." p. 231
Referências:
MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. Lisboa: Edições 70, 2021.
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia. Documentação Pedagógica e avaliação na Educação Infantil. Porto Alegre: Penso, 2019.
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientação Normativa de registros na Educação Infantil. – São Paulo: SME / COPED, 2020
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