Documentar o cotidiano. O que vem antes?
- Ana Barbara

- 25 de abr. de 2021
- 2 min de leitura

Registrar, documentar, registrar, documentar... Produzir documentação pedagógica. Acho que esses termos estão em alta menção e procura nos espaços dedicados a educação infantil nas redes sociais. Isso é bom, pois é um indicativo do quanto buscamos estudos e ação intencional no trabalho com crianças pequenas, algo que já foi invisibilizado pela burocracia, pela precarização e pelo olhar pejorativo da sociedade para a docência na educação infantil.
Vejo muitos avanços, mas não deixo de perceber uma tendência preocupante. Na busca por documentar, sinto que há um risco de nos perdemos pelo caminho, o caminho que precisamos trilhar antes.
A mim, não cabe a dicotomia entre registrar e estar com as crianças. Um tempo não rouba o outro, eles se complementam e se completam (há momentos e contextos nos quais produzir um registro - seja fotográfico, audiovisual ou escrito - não vai ser viável, nesse caso, entram outras questões que posso tratar em outro post) . No entanto, a sede por documentar não pode se sobressair a experiência real do estar. Você registra para narrar esse estado de presença e, quanto mais entrega houver, mais a sua documentação vai conter vestígios do seu encanto com o vivido e mais você aproximará os seus interlocutores (as pessoas que vão ler sua documentação) das experiências que você narra.

Eu tenho uma premissa que me acompanha muito antes de eu compreender o que é intencionalidade na educação infantil e eu sou feliz por ela me acompanhar sempre. Eu não penso em documentação quando eu estou com as crianças, porém eu estou sempre registrando o que vivo com elas. A documentação pedagógica é a saída que eu dou para a expressão do que vivemos. Vejo a pressa por gerar documentação roubar a oportunidade de professoras criarem belas fotografias das crianças. Vamos sair do ritmo de produção e buscar um processo de criação?
Não há receitas, grandes dicas ou passo-a-passo que dê conta do que é o processo de criação. Eu defendo a autoria como um grande valor da nossa profissão. Penso que se você olhar para as crianças e para o seu próprio processo de autoria com plenitude, sua documentação pedagógica não irá te decepcionar.
Nesse percurso, o processo de criar documentação pedagógica vai trazendo as demandas necessárias. A consciência de que uma documentação é composta por diferentes registros e que cada um deles requer estudos sobre suas especificidades é de grande importância. A fotografia e a escrita, por exemplo, exigem o mínimo de conhecimento sobre suas funcionalidades: usar bem os recursos da sua câmera, conhecer trabalho de artistas, ter noções de redação - de narrativa, ler poesia ou outros gêneros da literatura para se inspirar, entre outras pesquisas.
É dentro desse processo que o conhecimento sistematizado sobre documentação pedagógica vai fazendo sentido, dar forma a escuta e documentar para interpretar e atribuir sentido às experiências cotidianas.

Charge de Luís Fernando Veríssimo no livro Poesia numa hora dessas? - Editora Objetiva, 2002






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