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Parceria #2 - Escrita do percurso do grupo – O desafio de narrar sobre experiências do coletivo

Atualizado: 29 de mar. de 2021

Elaborar relatórios sobre o percurso individual de cada criança da turma e o percurso coletivo do grupo são gêneros da documentação pedagógica na Educação Infantil. De acordo com a Orientação Normativa 01/13 da Secretaria Municipal de São Paulo, desde 1992 os relatórios descritivos individuais são o meio de avaliação da aprendizagem na educação infantil da rede, no entanto, a partir dos anos 2000 eles têm sido aprimorados, “introduzindo o conceito de documentação pedagógica, entendida como instrumento que auxilia os profissionais da Educação Infantil a historicizar o processo vivido no dia a dia pelas crianças no percurso de suas aprendizagens.” (p. 22).

De acordo com o Dicionário UNESP do português contemporâneo, historicizar significa “colocar em perspectiva histórica”*, ou seja, em um relatório estamos falando sobre enxergar e entender o que está acontecendo no trabalho pedagógico e o que a criança faz sem predeterminação de expectativas e normas. São formas de expressar o que a criança está dizendo e como a educadora se relaciona com ela e com seu trabalho.


Escrever relatórios individuais demanda tempo e material prévio. É preciso que a observação e a escuta tenham sido sistematizadas em registros individualizados para que a redação contenha informações pessoais de cada criança e não apenas características comuns da faixa-etária que elas se encontram.


O relatório individual, para mim, não parece tão complicado de ser escrito, ele pede mais tempo, mas traz mais foco porque posso concentrar meu olhar naquela criança por um determinado tempo, lançar mão dos registros que tenho especificamente dela como anotações, fotos, áudios e contar tudo o que sei sobre ela e suas escolhas.


Em 2020, devido ao afastamento e o trabalho remoto, não escrevemos os relatórios individuais. No lugar destes, foi solicitada uma narrativa do percurso do grupo na perspectiva do que foi proposto ao longo do período de atendimento a distância, afinal, nosso contato presencial com as crianças foi por aproximadamente um mês, não houve tempo de convivência suficiente para nós, professoras contarmos detalhadamente sobre nossas observações.


Essa escolha foi a mais coerente diante do contexto, mas quando iniciei a escrita para contar sobre o período de acolhimento (presencial), me deparei com outro desafio: contar sobre o percurso coletivo sem cair em generalizações. Escrever um relatório ao invés de vinte e dois demanda menos tempo, mas exige rever o que você está dizendo. Como dar conta de tanta individualidade em uma narrativa coletiva?


Minha primeira saída foi olhar para as minhas anotações e buscar o que é comum ao grupo ou a maior parte do grupo. Isso não me deixou confortável, pois ao escolher falar o que a maioria faz, eu escolho invisibilizar umas três ou quatro crianças que não vivenciam o mundo a partir das mesmas experiências que as outras dezoito.


A segunda saída foi falar um pouco sobre as várias interações que observo em diferentes crianças e escrever na terceira pessoa do plural, por exemplo dizendo que as vezes as crianças brincam sozinhas, as vezes se organizam por interesse comum, as vezes aceitam o convite de alguma outra criança, etc. O que tem de pessoal nessas informações? Em que medida elas acrescentam sobre meu olhar para o coletivo? Onde isso pode ser lido como identidade do grupo?


O problema do registro que fala do coletivo, o da terceira pessoa talvez seja porque ele esconde alguma incerteza nossa: observamos todas as preferências das crianças em relação às parcerias e escolhas das brincadeiras ou usamos nossa experiência com crianças, de todo tempo de trabalho na educação infantil? Falamos das crianças específicas, ou a partir da nossa experiência acompanhando certa faixa etária?


Neste caso, poderíamos nos libertar da pressão de ficar trazendo informações gerais sobre a infância para as famílias e nos concentrar em situações, escolhas e ações mais pontuais das crianças?


Nos diálogos que tecemos sobre esse tema, quando trocamos escritas e experiências, podemos entender que um bom caminho seja pensar em pontos diferentes a serem levantados nos dois tipos de relatório. Fazer um relatório coletivo não é apenas transpor o que se contaria no individual para o plural, escrever um percurso coletivo é escolher diferentes situações para narrar, é saber que algumas informações não vão entrar nesse tipo de relatório. Precisamos buscar melhores elementos para não cair nessa armadilha da escrita generalizada.


Portanto, notamos como o percurso do grupo é mais significativo quando contamos o que oferecemos para as crianças para melhor escutá-las e para que elas vivam diferentes experiências em diferentes linguagens. Contar quais ações, reflexões, deslocamentos, aprofundamentos, contextos e possibilidades levaram às nossas escolhas. A nossa intencionalidade e a identidade do grupo são muito mais nítidas e reais, conseguimos nos enxergar e enxergar as crianças na escrita do percurso.


Referências:

Orientação normativa nº 01 : avaliação na educação infantil : aprimorando os olhares – Secretaria Municipal de Educação. – São Paulo : SME / DOT, 2014


Este texto foi elaborado em parceria, a partir das conversas e reflexões que troquei com a professora do CEI CEU Meninos, Tatiane Debei. Nos conhecemos no ano passado, durante o curso Diálogos sobre a infância promovido pelo DIPED da DRE Ipiranga da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.


Tatiane Debei é professora de Educação Infantil da rede municipal de ensino de São Paulo, especialista em Tecnologia da Educação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e Psicoterapia Junguiana pelo IJEP e formada em Atenção e Concentração nas Práticas Meditativas pela Associação Palas Athena. Atualmente, cursa Educação em Direitos Humanos pela UFABC.

 
 
 

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ANA BARBARA

Professora de educação infantil, fotógrafa e idealizadora do blog

Os textos que escrevo nessa área partem da minha experiência na educação infantil, minhas pesquisas e diálogos com outras educadoras.

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