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Parceria #1 - Experiências lúdicas que permeiam memória afetiva e identidade latina

Atualizado: 3 de dez. de 2020

Começo aqui um projeto que venho estruturando há alguns meses: ocupar o espaço do blog com textos escritos em parcerias. Tenho conversado com educadoras e educadores que admiro, e que têm um trabalho em consonância com tudo que acredito, para escrevermos textos sobre temas em comum em nossas práticas e pesquisas. A primeira será a Professora Elaine Santana com quem venho dialogando sobre projetos com Arte contemporânea e território educativo. Nossas unidades são vizinhas o que nos aproxima muito mais desse tema.



Trabalhar na região central de São Paulo, mais especificamente no bairro do Bom Retiro nos coloca em um território singular. Uma característica marcante do bairro é a forte atividade econômica na indústria têxtil que emprega boa parte dos familiares das crianças que atendemos, principalmente as famílias vindas de países como Bolívia, Peru e Paraguai, as quais correspondem, em média, a um terço da comunidade escolar do CEI e da EMEI que trabalhamos.


Diante deste cenário, há alguns anos, ambas as unidades escolares já vêm dando mais espaço para a cultura de nossos países vizinhos, ampliando a valorização de raízes e tradições. Dessa forma, semeamos com as crianças o reconhecimento origens, além do respeito e acolhimento ao outro.


Entendemos como é desafiador pensar em projetos dessa natureza. É importante pesquisar com sensibilidade e profundidade, se colocar no lugar do outro, se aproximar das famílias, fugir de estereótipos, se distanciar de julgamentos, sobretudo, refletir sobre quais as possibilidades de propor contextos e vivências que dialoguem com o imaginário infantil e estejam abertos a escuta das crianças e das famílias. A seguir, veremos as experiências do CEI Wilson José Abdalla e da EMEI Alceu Maynard.


ALICE, A BONECA VIAJANTE – ANA BARBARA - Mini-grupo II, crianças de 3 anos


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No ano de 2019, me inspirei no projeto da professora Débora Fogli (lotada no CEI CEU Cidade Dutra) que levou para sua turma uma boneca que passeou de casa em casa*. Minha irmã, que faz trabalhos de artes em feltro, costurou uma boneca a mão inspirada nos traços físicos e vestimentas comuns das regiões andinas**. Apresentei a boneca para as crianças e, por sugestão de uma criança, ela ganhou o nome Alice. Ela tinha uma mala que levava para a viagem do final de semana na casa de cada criança. Convidei as famílias para reunir-se com a criança e contar histórias ou cantar canções que marcaram a sua infância e enviar algum objeto, na mala da Alice, que marcasse esse momento ou que representasse uma memória da infância da família. Na semana seguinte, a criança compartilhava com a turma a história que ouviu e mostrava o objeto que vinha na mala.


Acredito na força da memória, dos vínculos e do compartilhamento. Penso que o projeto ganha significado pelas conexões que estabelece. E precisa fazer sentido na perspectiva da cultura da infância. Ouvir histórias e reconta-las foi uma forma de resgatar a cultura da família. Além disso, a presença de um objeto na mala contemplou as crianças que não se sentem a vontade para falar na roda ou que não têm a oralidade desenvolvida, pois podiam apresentar a relíquia ás outras crianças.


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Recebi muitos depoimentos de como o final de semana da família foi especial pela presença da Alice, chegaram fotos das crianças brincando, além da beleza das relíquias. Vieram roupas da criança, fotos, brinquedos da mãe ou do pai, desenhos, jogos, roupas costuradas especialmente para a Alice, entre outros. Chegaram cantigas populares de diferentes regiões do Brasil e do Paraguai também.


Uni a esse projeto a leitura de histórias do livro A Kantuta Trilocor e outras histórias da Bolívia e fixei um mapa da América Latina com símbolos culturais de diferentes regiões, as crianças localizavam a região de origem de suas famílias e mostravam umas ás outras.



TRAMAS E TERRITÓRIOS – ELAINE SANTANA - crianças de 4 anos (infantil I)


No meu primeiro dia nesta EMEI, percebi que a diferença linguística seria um grande desafio. Meu primeiro objetivo foi conhecer melhor minha turma e, aos poucos, me apropriar do território da escola junto com as crianças.


A essa altura, comecei a pensar que a linguagem artística poderia ser um ótimo caminho para acolher e construir com as crianças um sentimento de pertencimento em relação a escola/território e como trabalhar representatividade.


Em abril, visitamos a exposição Sopro de Ernesto Neto, devido a forte presença de elementos da cultura Ameríndia. Nessa exposição, entramos em contato com a materialidade do tecido, que diz muito sobre a identidade do bairro e tem forte relação com o trabalho das famílias.

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A exposição era muito sensorial, as crianças podiam tocar, cheirar, ouvir sons. Esse aspecto foi muito importante na escolha da exposição. A obra de Neto traz ao público uma representação da cosmovisão e cosmogonia dos Huni-kuin reintegrando às suas raízes, uma memória coletiva, construindo a formação de identidade Latina não somente a partir de referências culturais europeias, mas resgatando aspectos de povos originários que tiveram características de seu idioma simbólico apagados durante o processo de colonização.


Um dos desdobramentos dessa visita foi o surgimento do projeto Chá: Plantas que Curam, devido ao contato com a instância do rito. Recolhemos ervas da nossa horta, batizada posteriormente de Pachamama, preparamos o chá e compartilhamos com todas as crianças da escola. Nesse processo de degustação do chá, trazíamos os aspectos curativos das plantas através de conversas.


Ao longo do primeiro semestre, para conhecer mais profundamente as crianças e famílias iniciei o Mapeamento dos locais de origem das crianças por meio de Certidões de Nascimento. A partir dessas informações, confeccionamos um mapa da América Latina e colorimos apenas os países de origem das famílias e crianças. Esse Mapa se tornou um dispositivo importante para orientar o planejamento das propostas.

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Na perspectiva de ocupar espaços do entorno, visitamos uma praça em frente à escola e, ao dialogar sobre essa experiência, surgiu a ideia de fazer uma Intervenção Artística nela. Na segunda etapa do projeto, houve uma aproximação com o Programa Educativo do Centro Cultural Banco do Brasil, no qual estabelecemos uma relação de troca de saberes entre professores e educadores do museu. Após as reuniões chegamos a proposta de intervir na praça com uma instalação construída com os paninhos do afeto de cada criança da turma. A qual foi realizada no dia da Festa Cultural de encerramento do ano letivo.


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ELAINE SILVA SANTANA

Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário São Camilo e Artes Visuais pela UNIMES. É Professora da Rede Municipal de São Paulo desde 2016. Está na Educação Infantil desde 2019, na EMEI Professor Alceu Maynard de Araújo. Coautora do Projeto Oyá que Legal- Robótica para crianças e do Projeto Tramas e Territórios, apresentado no 29° encontro da ANPAP em Setembro de 2020. Pesquisa sobre Práticas Decoloniais no Ensino de Artes na ECA/USP.

Aprovada recentemente no Programa de Mestrado Profissional da Unesp com Projeto Tramas e Territórios: tecendo diálogos entre o ancestral e o contemporâneo, que irá refletir sobre o ensino de arte na educação infantil em perspectiva decolonial.




*Quer conhecer o projeto da professora Débora Fogli? Veja essa conversa dela no canal Parada Pedagógica https://www.youtube.com/watch?v=-pvXAAqkuos


** Conheça o trabalho da minha irmã, Erica Cristina, que faz arte em feltro: Histórias em feltro

Observação: A boneca Alice foi confeccionada com referências a apostila Prendas e Mimos.

 
 
 

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ANA BARBARA

Professora de educação infantil, fotógrafa e idealizadora do blog

Os textos que escrevo nessa área partem da minha experiência na educação infantil, minhas pesquisas e diálogos com outras educadoras.

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